quinta-feira, 12 de maio de 2016

Pedofilia como uma Transtorno Mental | Pedophilia as a Mental Disorder

As usual, the english version is located at the bottom. 

O Ender Wiggins escreveu um longo artigo sobre 'Pedofilia como uma Transtorno Mental' onde ele discute o tema sobre pedofilia ser, ou não, uma orientação sexual. O artigo é extremamente interessante e confesso que mudou alguns pontos na minha posição sobre o assunto. Conforme vocês podem ler dos artigos anteriores minha opinião era firmemente que Pedofilia era/é uma doença mental. Agora, após ler este artigo, estive pensando nestas últimas semanas e não estou mais tão convencido disso. Ainda não cheguei a uma conclusão mas nesse meio tempo pedi permissão ao Ender para traduzir o artigo para português. Ele é bem grande mas vale a pena a leitura. Caso queiram ler o artigo original segue o link.



Pedofilia como um Transtorno Mental

O que é pedofilia? Um transtorno mental? Uma orientação sexual? Uma escolha? Um 'estilo de vida'? Existem muitas controvérsias sobre o assunto, mas primeiro vamos tirar o óbvio do caminho. Pedofilia não é um 'estilo de vida' porque Pedofilia não é uma ação e sim uma condição de sentir atração sexual por crianças pré-púberes. Nenhum homem heterossexual acordou um dia e fez a escolha consciente de ser atraído sexualmente por mulheres; mesmo alguns dos mais fervorosos grupos anti-gays estão começando a perceber que o mesmo é válido para homossexuais, mesmo que que estes grupos acreditem que sexo entre duas pessoas do mesmo sexo é doentio, depravado e que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma aberração. Logo, ninguém escolhe a sua sexualidade, seja ela 'legítima' ou um 'transtorno mental'. Ninguém escolhe suas 'doenças mentais' também logo não existe sentido em discutir isso.

Basicamente é uma questão de decidir entre a pedofilia ser uma transtorno mental ou uma orientação sexual. Eu vou escrever um outro artigo para analisar o porquê da pedofilia poder ser vista e identificada como uma orientação sexual. Devido a isto, vamos nos focar no aspecto de transtorno mental neste artigo.

 Vou começar por dizer que determinar se algo pode ser qualificado como um transtorno mental deveria ser uma questão científica, e nunca uma questão social, legal ou política. Cientistas, com o conhecimento do que é 'normal' ou 'típico' das funções mentais humanas, deveriam ser as pessoas que determinam se algo se encontra fora do espectro de base por uma margem grande o suficiente para ser chamado de transtorno ou doença mental. No campo da saúde mental, esta é a atribuição da especialização psiquiátrica. Todas as pessoas tem direito a ter uma opinião — afinal, elas são como bundas não são? — mas esta decisão não deveria ser baseada em crenças ou opiniões e sim em fatos científicos. 

Além disto, existe um número de questões que precisão ser avaliadas de maneira a se chegar a uma conclusão sobre o assunto. Por exemplo, o que é um transtorno mental? Seria o mesmo que uma doença mental? Isto pode parecer uma discussão de semântica mas os termos podem ser interpretados de maneira diferente, e as percepções sobre os termos também são diferentes. Quais são os critérios para determinar o que é categorizado como um transtorno/doença? Atualmente isto cabe a profissão do psiquiatra, através de diversas organizações pelo mundo, que determinam o que é qualificado como um transtorno mental.

Uma das organizações mais proeminentes, e que agem neste sentido, é a Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association – APA) que publica o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM), considerado a 'bíblia dos psiquiatras'. A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization – WHO) também publica uma classificação similar conhecida como Classificação Internacional de Doenças (International Classification of Diseases – ICD). Apesar de não ser específico para saúde mental, o CID também inclui a classificação de transtornos e doenças mentais.

Dito isso é necessário ressaltar que a psiquiatria não é uma ciência exata, logo existirão situações onde haverá um desacordo entre psiquiatras sobre se algo é ou não é um transtorno mental. Além disto definições podem sofrer alteração ao longo do tempo e são tipicamente revisadas e ajustadas de tempos em tempos através de novas edições dos manuais/classificações publicados. O DSM se encontra em sua quinta edição (DSM-V) enquanto que o CID se encontra em sua décima edição (CID-10).

Um exemplo notório, apto e característico destas revisões é o homossexualismo, que era considerada um transtorno mental até bem recentemente e aparecia nestes manuais até versões passadas, que não mais aparece neles hoje. O homossexualismo subitamente deixou de ser considerada um transtorno mental? Ou foi considerado erroneamente como um transtorno e agora pode-se dizer que esta classificação estava errada? Os psiquiatras estão errados agora e o homossexualismo deveria realmente ser classificado como um transtorno mental?

Tenho certeza de que devem ter vários argumentos/opiniões sobre o assunto mas, dado como avançamos muito em termos de aceitar o homossexualismo como 'normal' (o que não significa algo tão estatisticamente frequente como heterossexualismo, mas como algo pertencente a uma variação normal do espectro da sexualidade humana), eu acredito que a maioria dos leitores concordariam que ter considerado um dia o homossexualismo como uma doença mental foi um erro. Entretanto, eu gostaria de evitar as comparações entre pedofilia e homossexualismo neste artigo porque pretendo entrar neste mérito em um outro artigo.

O que é um transtorno/doença mental?

Vejamos então os primeiros três resultados da pesquisa do Google para os termos 'o que é um transtorno mental' (Nota: Os termos de pesquisa originais são 'what is a mental disorder'. Assume-se que realizar a pesquisa em Português não irá produzir os mesmos resultados.).

De acordo com a Aliança Nacional sobre Doenças Mentais (National Alliance on Mental Illness – NAMI):

 A mental illness is a condition that impacts a person’s thinking, feeling or mood and may affect his or her ability to relate to others and function on a daily basis. Each person will have different experiences, even people with the same diagnosis.

Traduzido:

Uma doença mental é uma condição que impacta o pensamento, sentimentos/emoções ou humor de uma pessoa e pode afetar a sua habilidade de se relacionar com outras pessoas ou de funcionar diariamente. Cada pessoa vai ter experiências diferentes, mesmo pessoas com o mesmo diagnóstico. 

A clínica Mayo descreve como:

    Mental illness refers to a wide range of mental health conditions — disorders that affect your mood, thinking and behavior. Examples of mental illness include depression, anxiety disorders, schizophrenia, eating disorders and addictive behaviors.

    Many people have mental health concerns from time to time. But a mental health concern becomes a mental illness when ongoing signs and symptoms cause frequent stress and affect your ability to function.

    A mental illness can make you miserable and can cause problems in your daily life, such as at school or work or in relationships. In most cases, symptoms can be managed with a combination of medications and talk therapy (psychotherapy).

 Traduzindo:

Doença mental se refere a uma ampla variedade de condições de saúde mentais —  transtornos que afetam o seu humor, pensamento e comportamento. Exemplos de doenças mentais incluem depressão, transtornos de ansiedade, esquizofrenia, transtornos alimentares e comportamentos de dependência.

Muitas pessoas tem preocupações relacionadas a saúde mental de tempos em tempos. Mas uma preocupação com a saúde mental se torna uma doença mental quando sintomas e sinais contínuos causam estresse frequente e afetam a sua abilidade de funcionar.

Uma doença mental pode fazer você miserável e pode causar problemas em sua vida diária, como na escola ou no trabalho ou em relacionamentos pessoais. Na maioria dos casos, sintomas podem ser gerenciados com uma combinação de medicações e terapia (psicoterapia).

A Mental Health America diz:

    A mental illness is a disease that causes mild to severe disturbances in thought and/or behavior, resulting in an inability to cope with life’s ordinary demands and routines.

    There are more than 200 classified forms of mental illness. Some of the more common disorders are depression, bipolar disorder, dementia, schizophrenia and anxiety disorders. Symptoms may include changes in mood, personality, personal habits and/or social withdrawal.

Traduzindo:

Uma doença mental é uma doença que causa disturbios leves a severos no pensamento e/ou comportamento resultando em uma inabilidade de gerenciar as demandas e routinas ordinárias da vida.

Existem mais de 200 formas classificadas de doenças mentais. Algumas das mais comuns são a depressão, transtorno bipolar, demência, esquizofrenia e transtornos sexuais. Sintomas podem incluir mudanças no humor, personalidade, hábitos pessoais e/ou distanciamento social. 

E como eu mencionei anteriormente a Associação Psiquiatrica da América, vamos ver o que eles dizem:

    Mental illnesses are health conditions involving changes in thinking, emotion or behavior (or a combination of these). Mental illnesses are associated with distress and/or problems functioning in social, work or family activities.

Traduzindo:

Doenças mentais são condições de saúde que involvem alterações no pensamento, emoção e comportamento (como uma combinação de ambos os fatores mencionados). Doenças mentais são associadas com angústia e/ou problemas de funcionamento no convívio social, trabalho ou atividades familiares.

Um padrão recorrente em relação a uma condição mental é de que ela afeta o pensamento, sentimentos, humor e/ou comportamento. Além disso, todas as definições apontam que estas condições de saúde afetam a habilidade de um individuo de funcionar normalmente em suas vidas diárias. Vamos analisar estes aspectos separadamente e ver se a pedofilia se encaixa neles.

A pedofilia afeta o comportamento?

Tenho certeza que muitas pessoas argumentariam que a pedofilia afeta, de fato, o comportamento fazendo que com pessoas abusem sexualmente de crianças. Entretanto, conforme eu comentei em diversos artigos anteriores, a definição de pedofilia não descreve uma inabilidade da pessoa de controlar suas próprias ações. Portanto, pedófilos estão sob controle de suas próprias ações o tempo todo (Nota do tradutor/editor: devo dizer que a pedofilia realmente não afeta a capacidade de controle de uma pessoa em relação à suas atrações sexuais. Entretanto, tanto para heterossexuais ou homossexuais quanto para pedófilos podem existir pessoas com problemas de controle de impulso. Este deficit de controle de impulso não é algo exclusivo de um pedófilo.) . Se a pedofilia realmente incapacitasse a nossa habilidade de controlar as nossas ações o seu diagnóstico serviria como base para alegação de 'insanidade temporárias' em ações penais; no intuito de obter reduções de sentenças já que pedófilos não estariam sobre controle pleno de suas ações. Eu desafio à qualquer um tentar essa estratégia (alegar insanidade temporária devido a pedofilia) e ver se ela irá funcionar, mas acredito que tal estratégia não teria os resultados desejados. Pedófilos não precisam ser contidos para controlar suas ações.

Em contraste, se você observar transtornos como esquizofrenia ou Transtorno Obssesivo-Compulsivo (TOC) é possível observar como estes transtornos afetam diretamente o comportamento da pessoa; constantemente fazendo com que as pessoas que sofrem do transtorno não sejam capazes de resistir a realização de certas ações. Eles são muitas vezes compelidos  — por 'vozes na sua cabeça' ou extremo desconforto e ansiedade — a realizar certas ações e resistir tais vontades exige esforços monumentais.

Este não é o caso da pedofilia. Conforme eu mencionei anteriormente ser atraído sexualmente por crianças não é uma compulsão ou um impulso irresistível, o qual temos que constantemente batalhar, para tocar sexualmente em uma criança.  Simplesmente significa que achamos crianças sexualmente atraentes.

A pedofilia afeta o humor?

Deixando uma discussão entre pedofilia e transtorno pedófilo para mais tarde — vocês verão mais tarde — o diagnóstico de pedofilia não descreve nenhum efeito inerente no humor de alguém. Claro, um pedófilo pode se sentir miserável devido ao fato de ser um pedófilo, mas isto seria um efeito colateral do estigma social em relação a pedofilia e do ódio internalizado que esta pessoa sente por si mesmo; também pode ser derivado do entendimento de que esta pessoa nunca poderá agir sobre suas atrações sexuais em uma maneira moral e legal ou encontrar um parceiro na vida, mas nunca como um sintoma direto da, ou causado pela, pedofilia. A pedofilia, por si só, não faz com que a pessoa se sinta triste, feliz, depressiva ou eufórica. Pedofilia, como condição, pode gerar depressão mas não como um sintoma inerente a condição.

Em comparação transtornos mentais como depressão e bipolaridade claramente tem um efeito direto sobre o humor de uma pessoa e não como um 'efeito colateral'. 

A pedofilia afeta pensamentos?

Este é um tópico complicado e talvez seja necessário entrar em uma discussão de semântica aqui. Pensamentos são diferentes de sentimentos. Conforme mencionado no meu artigo sobre fantasias sexuais eles se apresentam em um nível diferente de consciência e, ao contrário de sentimentos, podem ser controlados e/ou reprimidos até certo ponto; se isto deveria ou não ser feito é uma outra estória. Pedófilos sente atrações sexuais por crianças, o que significa que quando vemos uma criança sentimos certas reações químicas involuntárias e automáticas nos nossos corpos, da mesma maneira que um heterossexual 'normal' sente quando vê uma mulher adulta que seja sexualmente atraente. Estes sentimentos não necessariamente levem a pensamentos sexuais. Isto pode, ou não, ocorrer dependendo da situação e da pessoa.

Pedofilia não faz com que uma pessoa, automaticamente, acredite que ter relação sexuais com uma criança seja correto ou moralmente e legalmente aceitáveis. Isto é evidenciado por um movimento inteiro de pessoas na comunidade Virtuous Pedophiles (Pedófilos Virtuosos) que são firmemente contra a noção de sexo entre adultos e crianças e que não são ativistas da legalização de tal ato ou da abolição de leis de consentimento sexual.

Nota do tradutor: Lei de Idade de Consentimento é uma lei que determina a idade legal a partir da qual uma pessoa pode consentir a sua participação em atividades sexuais, mesmo com pessoas acima da maioridade legal. Atualmente no Brasil, esta idade é de 14 anos conforme o Decreto-lei nº 2848/1940.

Eu concedo que existem alguns pedófilos com problemas de 'distorções cognitivas' que, de certa maneira, são uma forma de alteração de pensamentos já que eles podem interpretar incorretamente ações de crianças, como uma gentileza inocente ou admiração, como um flerte ou sentimentos românticos/sexuais. Isto, no entanto, não seria muito diferente de como homens heterossexuais podem interpretar mal o comportamento amigável de uma mulher adulta em relação a ele. Claro que a mulher adulta é muito melhor preparada para se desviar de tentativas de interação sexual de um homem adulto do que uma criança seria, mas isto quase não tem influência no quesito de que estas distorções cognitivas são um indicativo de uma condição mental (a não ser indicarem se uma pessoa está apaixonada).

De maneira geral poderíamos dizer que a pedofilia afeta os pensamentos de alguém, mas não necessariamente de uma maneira clara e direta como transtornos como o transtorno de personalidade paranoica, quando a pessoa é constantemente assolada por pensamentos sobre as motivações de outras pessoas serem suspeitas ou malignas, ou de serem constantemente seguidas.  Ou o transtorno de personalidade narcisista onde o individuo tem um inchaço claro na sua auto-estima, uma necessidade enorme e profunda de admiração dos outros e uma falta de empatia para com outras pessoas. O mesmo provavelmente poderia ser dito em relação aos outros transtornos de personalidade. Estes são transtornos que, em si mesmos, afetam claramente os processos e padrões de pensamentos de quem sofre deles mas nenhuma destas características, ou sintomas, são intrínsecas da pedofilia.

A pedofilia afeta os sentimentos?

Acredito que nós possamos definitivamente dizer que a pedofilia afeta os sentimentos de alguém já que é definida como sentimentos de atrações sexuais por crianças. Entretanto devemos mencionar que o comprometimento de sentimentos somente se encontra em uma, das quatro, definições de transtornos mentais citados. A APA (Associação Psiquiátrica Americana) menciona emoções, mas emoções e sentimentos não são a mesma coisa.

Óbvio que ser um pedófilo pode deixar uma pessoa triste entretanto, novamente, isto é um efeito colateral de ser um pedófilo no mundo em que vivemos hoje e não um efeito direto da pedofilia. Se olharmos para transtornos como depressão, bipolaridade ou transtorno do pânico, os sentimentos das pessoas afetadas são claramente afetados na forma de uma tristeza intensa, euforia ou medo.

A pedofilia afeta o funcionamento diário?

Eu acredito que neste aspecto se torna mais claro que a pedofilia — e potencialmente todas as outras parafilias mencionadas anteriormente — não é como qualquer outro transtorno mental. Simplesmente se sentir atraído por crianças não afeta diretamente a capacidade de funcionar normalmente em todos os aspectos 'práticos' da vida. Uma pessoa pode tomar conta de si mesma and não está ineremente necessitando de ajuda, monitoramente ou medicação de maneira a poder funcionar.

É verdade que a pedofilia, de certa forma, impossibilita a abilidade de formar relacões românticas e/ou sexuais com as pessoas pelas quais sentimos atração. Entretanto apesar de formar e manter relações pode ser um aspecto muito importante, na vida, para atingir a felicidade certamente não é um requisito para tal e muitas pessoas são felizes sem ter nenhum tipo de relacionamentos, seja devido a várias outras razões. Além disso não é algo essencial para viver uma vida como um membro produtivo da sociedade. Pedofilia, em si só, não implica em deficiências cognitivas, físicas e ou mentais inerentes.

Entretanto, se você olhar para transtornos como o autismo é claro que este transtorno possui o potencial de impactar, de maneira severa, a habilidade de uma pessoa de funcionar na vida e até mesmo de realizar as tarefas mais básicas. Eu entendo que existem vários 'graus' de autismo, e de que diferentes pessoas diagnosticadas dentro do espectro autista tem diferentes graus de deficiência, mas todas as pessoas autistas possuem algum 'grau' de deficiência. Basta lembrarmos do personagem de Dustin Hoffman no filme Rain Man (1988) — Raymond Babbit — para ver o quão severas podem ser as restrições/deficiências causadas pelo autismo nas habilidade de funcionamento de uma pessoa assim como de sua independência individual. Transtornos como a esquizofrenia, transtorno bipolar e o TOC também são exemplos de condições que podem afetar severamente a capacidade de uma pessoa de funcionar sem o devido tratamento além de que tais condições podem se manifestar com diferentes graus de intensidade.

Do outro lado a única maneira em que poderia se argumentar que a pedofilia tem 'graus' seria se um pedófilo sente alguma atração por adultos — a qual tipicamente seria menor, ou menos intensa, do que a sua atração por crianças — ou se ele é exclusivamente atraído por crianças. Novamente, no entanto, nada disto seria uma deficiência inerente da habilidade de funcionamento de um pedófilo.

Coexistência com outros transtornos

Claro que a pedofilia pode ser acompanhada por outras condições mentais. Entretanto não existem evidências científicas que indiquem que a pedofilia é acompanhada de outros transtornos — particularmente transtornos que afetam a capacidade de autocontrole e empatia das pessoas — em maior grau do que estes transtornos se apresentam em pessoas não-pedófilas. Assumir que pedófilos são por natureza sociopatas, narcisistas, agressivos ou incapaz de empatia é simplesmente uma presunção — e uma que é incorreta.

Claro que existem pedófilos que são todas essas coisas e ocasionalmente temos notícias terríveis de crianças que foram sequestradas, brutalmente estupradas, torturadas e mortas. Notícias estas que embrulham o estômago dos pedófilo tanto quanto o de qualquer outra pessoa. Entretanto estes casos são extremamente raros mas invariavelmente se tornam manchetes por razões óbvias. Logo as pessoas automaticamente assumem que todos os pedófilos são monstros sádicos, algo que não é, em absoluto, verdade. Esta atitude contribui para a manutenção do estigma em relação a pedofilia já que o público em geral nunca ouve notícias sobre pedófilos que não cometeram crimes. Deste estigma nasce o preconceito que leva a presunção de que todos os pedófilos são psicopatas e sadistas, mas novamente isto não é verdade.

Classificação atual da pedofilia no DSM

A pedofilia pode ser a causa de condições mentais adicionais, que são efeitos colaterais, conforme eu havia descrito anteriormente. Imagine crescer e amadurecer como pessoa e finalmente perceber que as pessoas pelas quais você sente atração não envelheceram junto com você nos últimos anos. Desesperadamente mantendo a esperança de que é somente uma fase passageira para então vir a conclusão, em alguns poucos anos, que a fase não passou e que você é, de fato, um pedófilo. Imagine tentar buscar mais informações online para tentar fazer sentido do que está errado com você, e buscar suporte para isso, e somente achar dezenas de comentários de pessoas dizendo que você é um monstro, o lixo da humanidade, o mais baixo ser existente no planeta e como você eventualmente irá se tornar um abusador de crianças; ou pior ainda que é automaticamente presumido que você já é um abusador de crianças e que merece uma morte horrível por algo no qual você nunca teve uma escolha.

Isto pode levar um jovem para um lugar mental horrível. É incrivelmente comum que pedófilos sofram de uma grande variedade de condições mentais devido a isso. Eles internalizam o ódio cego que é direcionado a todas as pessoas que sentem atração por crianças e desenvolvem sentimentos intensos de auto-aversão (repugnância por si mesmo) e depressão severa. Além disto eles podem desenvolver um transtorno de ansiedade e paranoia, vivendo em um medo constante de serem descobertos, rejeitados e odiados por aqueles que deveriam amá-los incondicionalmente. Nenhuma destas condições é um sintoma da pedofilia em si, mas sim um resultado do que significa ser um pedófilo no mundo que vivemos. Não somente estamos amaldiçoados a nunca podermos ter um relacionamento com as pessoas pelas quais nossa natureza nos faz nos sentir atraídos, mas temos que viver sujeitados ao ódio ignorante da maior parte da sociedade além de viver perpetuamente com medo.

Em 2013 a APA lançou a quinta edição do manual DSM, aptamente nomeado como DSM-5. Nesta edição eles adicionaram o conceito de transtorno parafilico, o qual se aplica a todas as parafilias descritos no manual até então (entre elas a pedofilia). Com esta mudança os psiquiatras reconheceram que a parafilia em si não justifica nem requer nenhum tipo de tratamento psiquiátrico em si, e um individuo é considerado como tendo um transtorno parafílico quando sua parafilia lhe causa comprometimento ou angústia grave em sua vida ou quando agindo sobre sua parafilia isto causa dano ou risco de dano a outros.  Dado que interagir sexualmente com crianças incorre em danos, ou no mínimo um grande risco de dano, para a criança um pedófilo que aja sobre suas atrações é considerado como tendo um transtorno pedófilo mesmo que a sua pedofilia não lhe traga nenhuma angústia. Desta maneira se um pedófilo veio a aprender a aceitar sua condição, sem sofrer por causa dela, e se abstém de agir sobre a mesma ele não é considerado como tendo um transtorno psiquiátrico.

Do meu ponto de vista existem dois problemas importantes com esta abordagem. Primeiramente a ideia de que algo é um transtorno somente em certas situações ou dependendo de como a pessoa se sente sobre suas condições não me parece crível para mim. Pense sobre quaisquer outros transtornos mentais e se pergunte: esta condição somente é considerada um transtorno se me leva a fazer algo terrível — à mim ou a outros — ou se eu estou angustiado com o fato de possuir essa condição? E você irá perceber que a resposta é não. Uma pessoa não precisa se sentir mal por ser autista para ser diagnosticado com autismo. Uma pessoa não precisa estar deprimida por ser esquizofrênica para ser diagnosticada com esquizofrenia. Uma coisa ou é um transtorno mental ou não é, baseado em seus próprios 'méritos' e não dependente de fatores externos.

Em segundo lugar a condição da pedofilia em si nunca é o alvo de tratamento, principalmente porque a pedofilia não pode ser curada, ou pelo menos não mais do que qualquer outra sexualidade 'não-convencional'. Um psiquiatra irá, quanto muito, tratar os 'efeitos colaterais' da pedofilia, como a depressão, ansiedade e paranoia assim como ajudando o pedófilo a aceitar a sua condição como parte integrante de si, uma parte que não define o tipo de pessoa que ela é, que não a faz ser mal ou imoral por si só. Mesmo quando o pedófilo agiu sobre suas atrações um tratamento psiquiátrico eficiente não é direcionado a tentar remover, ou alterar, as atrações do pedófilo, mas sim direcionado a ajudá-los a identificar, e evitar, situações potenciais de risco e padrões de pensamento que possam lhe levar a abusar.

Com o que comparamos a pedofilia se não com a homossexualidade? 

Conforme eu mencionei no começo deste artigo eu não quero comparar a pedofilia com a homossexualidade aqui. Ao invés disso eu irei comparar a pedofilia com uma condição similar: a hebefilia. Conforme explicado no meu artigo sobre terminologias (Nota do Tradutor: É possível descobrir mais sobre estas terminologias aqui) hebefilia é a condição de sentir atração sexual por crianças púberes — ao contrário da pedofilia que é a atração por crianças pré-púberes.

Anteriormente à publicação do DSM-5 o renomado especialista em pedofilia, e psiquiatra, Ray Blanchard propôs a inclusão da hebefilia no DSM. Após uma longa deliberação foi decidido pela não inclusão da hebefilia como um transtorno psiquiátrico. Isto significa, caso você não tenha percebido, que a hebefilia não era — e ainda não é — considerada um transtorno mental. Você pode se perguntar o que faz se sentir atraído sexualmente por uma pessoa de 14 anos de idade tão diferente de se sentir atraído por alguém de 9 anos de idade a ponto de que uma condição seja considerada um transtorno mental e a outra condição não. Uma pergunta muito válida. Fora o fato de que é muito comum que adultos se sentim atraídos por um(a) adolescente de 14 anos de idade — muitos deles já desenvolveram totalmente características sexuais secundárias afinal de contas — a sociedade odia hebéfilos em igual medida aos pedófilos (de fato as pessoas nem sabem a diferença entre um e outro e referem-se a qualquer pessoa atraída por menores de idade como pedófilos) e agir sobre estas atrações pode ser tão ilegal quanto agir sobre as atrações direcionadas à crianças pré-puberes.

Nota do Tradutor: Conforme mencionado anteriormente no Brasil a Idade de Consentimento é de 14 anos. Logo, legalmente falando, um adolescente de 14 anos pode consentir para atividades sexuais com adultos. Entretanto Hebefilia normalmente envolve atrações por pessoas de 12 ou 13 anos. Como pessoas nesta idade se encontram abaixo da Idade de Consentimento qualquer atividade sexual em que eles participem com um adulto é crime.

Em seu artigo 'Hebephilia: A postmortem Dissection' (Hebefilia: Uma autópsia postmortem), o filósofo e psiquiatra Patrick Singy analiza as razões pelas quais foi decidido pela não inclusão da hebefilia ao DSM. Neste artigo é discutido como Blanchard necessitava cobrir três aspectos importantes para conseguir que a hebefilia fosse adicionada no DSM:

  In 2008, the concept of hebephilia, which denotes an erotic preference for ‘pubescent children’, was suggested by Blanchard and his team for inclusion in the DSM-5 (Blanchard et al, 2009). Four years later, the APA’s Board of Trustees opted for the status quo and rejected that proposal. This essay sheds light on the reason for this rejection. I consider three important questions related to hebephilia: Does hebephilia exist? Is it a disease? And what would have been the social consequences of including it in the DSM? I argue that if Blanchard failed to convince others that hebephilia should be included in the DSM-5, it is not because he focused too much on the first question and was unable to offer a convincing answer to the second one, but because he made the mistake of dismissing the third one as extraneous. The DSM is not intended to be a pure research manual, and a category like hebephilia cannot be evaluated without taking into account its potential forensic impact. In part or in whole, the decision to include a new diagnostic category in the DSM is, and always should be, a political decision.

Traduzindo:

  Em 2008 o conceito de hebefilia, que denota uma preferência erótica por 'crianças púberes', foi sugerido por Blanchard e sua equipe para inclusão no DSM-5 (Blanchard et al, 2009). Quatro anos depois o Conselho de Administradores da APA optou pelo status quo e rejeitou a proposta. Este artigo esclarece na razão para esta rejeição. Eu considero três perguntas importantes em relação à hebefilia: A hebefilia existe? É uma doença? E quais seriam as consequências sociais da sua inclusão no DSM? Eu argumento que se Blanchard falhou em convencer outras pessoas que a hebefilia deveria ter sido inclusa no DSM-5 isto não se deve a ele ter focado demais na primeira pergunta e não foi capaz de oferecer uma resposta convincente da segunda, mas porque ele fez o erro de desconsiderar a terceira como sendo além do propósito. O DSM não é intencionado para ser um manual de pesquisa pura, e uma categoria como a hebefilia não pode ser avaliada sem levar em consideração seu potencial impacto forense. Em parte ou no todo a decisão de incluir uma nova categoria de diagnóstico no DSM é, e sempre deve ser, uma decisão política.



Se você fizer uma leitura cuidadosa deste artigo você irá perceber que não existe nada nele que não se aplica a pedofilia. A pedofilia claramente existe. É debatível se a pedofilia é uma doença (o parágrafo sobre se a hebefilia é uma doença se aplica em cada palavra à pedofilia). Existem no entanto várias razões para se desejar a manutenção da pedofilia no DSM que são 100% políticas/sociais/forenses e não estritamente científicas. Conforme mencionado acima é ingênuo acreditar que reconhecer a pedofilia como um transtorno/doença significa que pedófilos serão 'desculpados' por seus crimes ou não considerados responsáveis por suas ações, quando o fato é que o oposto é verdade. Com as leis de Predador Sexual Violento (PSV, Sexually Violent Predator  — SVP) o diagnóstico de pedofilia é necessário de maneira a ser possível instituir um mandado de segurança — muitas vezes indefinidamente — para ofensores uma vez que eles tenham cumprido suas penas. Existia um medo que ao adicionar a hebefilia no DSM isto resultaria em um abuso destas leis nos tribunais e devido a esta importante razão a condição não foi adicionada.

O estima da saúde mental ou as consequências não intencionais de se considerar a pedofilia como uma doença mental

Apesar de ter mencionado que determinar se algo é um transtorno mental deveria ser uma questão estritamente científica nós vimos na seção anterior como isto dificilmente é o caso. Infelizmente o DSM é usado para fins médicos tanto quanto é usado para fins forenses e legais, e isso significa que o que é incluso nele tem um impacto direto nas defensas e sentenças de criminosos os quais exibem algumas das condições (mentais) listados no DSM. Isto é especialmente verdade quando falamos de crime de abuso sexual infantil e o diagnóstico de pedofilia, conforme mencionado nas leis PSV (SVP) e mandados de segurança.

Além disto existe uma série de consequências não-intencionais ao se classificar algo como uma 'doença mental'. Saúde mental já é alvo de muito estigma. Se você adicionar isto além do estigma envolvendo a pedofila e o abuso sexual infantil o resultado é uma combinação explosiva. Quando as pessoas escutam 'doença mental' elas escutam 'maluco'. Quando as pessoas escutam 'maluco' associado com 'pedófilo' elas escutam 'psicopata'. Quando você conta para alguém que suas ações sempre estão sob controle eles irão dizer 'Isto é mentira, você é um doente mental e nunca poderá ser confiado'. Enquanto a atração por crianças for associada com 'doença mental' a sociedade irá associar todos os tipos de condições mentais com a pedofilia e irão desconsiderar o fato de que pedofilia simplesmente descreve por quem você se sente atraído, sem dizer mais nada sobre o indivíduo pedófilo em si. Eles sempre irão pensar que pedófilos são inerentemente perigosos e não-confiáveis que tem desejos incontroláveis de estuprar violentamente crianças e que o sofrimento delas os traz prazer.

Uma maneira de lidar com isto é continuar o trabalho para remover o estigma de condições mentais em geral, que é obviamente um objetivo bom e nobre. Outra maneira é perceber — de vez — que não existe nenhuma argumento científico válido para considerar a pedofilia como um transtorno mental. Isto, na minha humilde opinião, é o único caminho viável pelo qual se prosseguir.

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English version

Pedophilia as a Mental Disorder.


Well, in fact there isn't an English version of this article. The Portuguese version is the translation of Ender's excellent article 'Pedophilia as a Mental Disorder'. Please go right ahead and click on the link and read directly from the source.

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