sábado, 31 de outubro de 2015

Castigo

Oi,

Desculpem não ter postado nada nos últimos dias, mas tenho estado com a cabeça a mil e não consegui simplesmente parar para escrever algo aqui. Em tese, este post deveria ser curto porque não estou sentindo muita vontade de ficar escrevendo hoje. Entretanto, a maior parte dos outros posts deveriam ser curtos mas quando eu vejo já escrevi um monte.

O título do post é referente ao que eu entendo como é minha situação no momento. Primeiro final de semana com a tornozeleira e ainda dou a sorte de pegar um feriado nacional na segunda feira. 3 dias de molho em casa sem poder colocar o pé para fora. Não é 100% verdade essa afirmação porque existe um raio de erro de 100 metros devido a classe de precisão (ou no caso, de imprecisão) do sensor de GPS da tornozeleira. Entretanto, não vou ficar brincando com essa "folga" que existe no GPS e me arriscar a voltar para a cadeia novamente. Outra coisa que eu descobri é que este sistema de tornozeleira é passivo e não ativo. Isso significa que, como ele fica a maior parte do tempo sem sinal de telefone para enviar os meus dados de localização para o sistema, a tornozeleira armazena onde estou até um certo ponto (o quanto eu não sei) e quando consegue sinal envia de uma vez só todos os dados.

O sistema do outro lado que analisa os dados recebidos que irá dizer se eu cometi alguma infração ou não. Isso significa que mesmo que eu saia de casa não seria imediatamente notificado e preso, mesmo assim isto aconteceria eventualmente. Esta divagação toda é só uma amostra de tudo que tem passado pela minha cabeça nestes últimos dias, e essa é a parte mais tranquila. Voltar a não ter liberdade, mesmo que somente em alguns dias, me trouxe uma série de lembranças da época em que eu estive preso.

Todo mundo me diz que eu devo ficar agradecido de não ter sido preso e que somente estou com uma tornozeleira eletrônica e limitado a ficar em casa (um lugar melhor que a prisão) por alguns dias. Eu entendo, pelo lado racional, completamente o que eles me dizem. Concordo 100% de que a tornozeleira é infinitamente melhor que a cadeia. Entretanto, nenhuma destas pessoas teve que passar um período preso. Realmente é verdade que ficar em casa é muito melhor que ficar na cadeia devido a uma série de coisas como comida, higiene, privacidade, entretenimento (uma das coisas mais difíceis de estar preso é ter todo o tempo do mundo e nada para fazer) e uma série de outras coisas. Ainda assim, a sensação de ter algo preso ao seu tornozelo que irá te rastrear a todas as horas do dia é algo muito opressivo para mim.

Me lembra a sensação que eu tinha toda vez que os agentes penitenciários fechavam a porta da cela (às vezes, sem razão nenhuma aparente e sem nenhuma explicação) e você não sabia quando a porta abriria de novo. Mesmo quando a porta da cela era aberta, o portão da galeria estava fechado. Um lembrete constante de que você não possui liberdade, mesmo quando está "livre" de ficar em sua cela. Mesmo que o portão da galeria estivesse aberto, o portão do corredor de acesso à galeria estaria fechado. Você pode até descer as rampas até o corredor de acesso mas não passaria do portão (fora que os agentes não se sentem a vontade com você perto deste portão e normalmente te mandam subir de volta para a galeria). Mesmo que o portão do corredor fosse aberto para você (para obter atendimento médico, parlatório com os advogados ou etc) o portão principal que dá acesso a área administrativa da prisão estaria fechado. Passando este portão você chegaria em um longo corredor até o portão principal para à área administrativa externa (recepção e etc...) e somente algemado e com um marco-passo você chega aqui. Além disto existe uma porta (dessa vez uma porta comum) e além disto os portões de entrada da cadeia. Um longo caminho de onde você está até a liberdade. Não mais, na maior parte das vezes, que 150 metros. Algo tão perto e ao mesmo tempo tão longe.

Isto é o que eu sinto com a tornozeleira, que estou sendo vigiado de uma certa maneira de tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Sinto a mesma agonia de estar privado de simplesmente fazer qualquer coisa que eu sinta vontade. De ir ao mercado ou ao shopping ou algo assim. Coisas tão banais que não damos a mínima atenção durante nossas vidas. Quando temos estas pequenas liberdades removidas sentimos como estas pequenas coisas se somam para significar algo muito maior.

Novamente digo que a minha parte racional entende perfeitamente a razão de estar com a tornozeleira, como isto tem alguns benefícios para mim e que, mais importante, ao realizar um crime eu serei punido e terei direitos limitados ou removidos. Tal qual uma criança tem ao ser colocada de castigo por seus pais. Emocionalmente falando me sinto oprimido, como se uma sombra pairasse sobre mim e que caso eu faça alguma besteira serei punido em dobro pelo o que eu fiz. Eu sinto medo do estado me vigiando da maneira como ele está me vigiando e fico com receio de cometer algum erro ou deslize bobo que agrave minha situação.

Tenho que tomar cuidado para que a bateria nunca acabe da tornozeleira. Se isso acontecer é uma falta grave, muito mais grave que simplesmente acabar a bateria do celular e não poder mandar uma mensagem no whatsapp ou ver o facebook. Serei colocado novamente na prisão imediatamente, sem que queiram saber a razão pela qual deixei acabar a bateria. Caso eu danifique a tornozeleira o mesmo problema acontece. Não importa se tropecei e bati com a perna em algum lugar, serei colocado novamente na prisão. Não posso nunca me esquecer do horário porque caso chegue em casa após as 23h em um dia de semana poderei ir para a cadeia. Com o agravante de que não sei qual é o horário na tornozeleira e no sistema de controle, logo preciso me prevenir e adotar uma margem de segurança (que estabeleci em 30 min) para minha própria segurança.

Logo, espero que entendam que não é simplesmente ter uma tornozeleira na perna que me faz sentir mal. Existe um conjunto de coisas que me tiram a paz de espirito. Perder a tranquilidade mental, pelo menos para mim, é uma maneira de se perder a liberdade. Para mim, uma das piores coisas em estar preso era justamente não conseguir parar de pensar em tudo que aconteceu. Perder essa calma mental, ter essa peso constante na cabeça é indescritível. 

Como restritiva de direito, a tornozeleira cumpre seu papel além do que o esperado. De todos os textos que eu li sobre a doutrina jurídica todos mencionam como ela é um meio mais humano de manter controle sobre um condenado, ou um réu num processo, com menos impactos financeiros para o estado e menos impactos sociais para a pessoa que a utiliza. Gostaria de saber como eles se sentiriam passando uma temporada na cadeia e posteriormente utilizando esta tornozeleira. Gostaria que todas as pessoas do mundo pudessem passar pela experiência de viver na cadeia, e ser tratado como eu vi tantas pessoas serem tratadas. Ser tratado como eu fui tratado. Tenho certeza que elas diriam que utilizar a tornozeleira é algo muito melhor! Neste momento gostaria que elas então pudessem fazer uso da tornozeleira com todas estes cuidados que eu listei anteriormente. Lembrando-os que qualquer falha da sua parte implica em voltarem, imediatamente, à cadeia. Sim, voltarem para o mesmo lugar do qual tenho certeza que qualquer pessoa diria que faria qualquer coisa para sair.

Ter este aparelho amarrado em mim é um lembrete constante do lugar para onde eu vou e no qual ficarei por anos. Um lembrete urgente de tudo que eu fiz de errado. Equivalente a uma letra escarlate costurado em minha roupa. Uma placa dizendo ao mundo que eu cometi um erro. Uma humilhação constante mesmo quando está escondida por uma calça. Porque mesmo que não esteja aparente para todo o mundo eu sempre sinto ela amarrada à mim. Sempre com receio de que alguém veja e reaja a sua presença. De que os poucos dias de liberdade que eu tenho antes de entrar na cadeia sejam erradicados pelo anúncio da sua presença.

Existem dias que por mais que eu lute contra mim mesmo para que eu não termine tudo aqui e agora eu sinto que esta luta é um pouco falsa. Como se eu me sentisse obrigado por lutar dessa maneira. De que o mais fácil seria desistir. Simplesmente me matar. Simples assim. Usar essa tornozeleira foi uma derrota mental muito grande para mim. Estava convencido de que seria preso na penúltima audiência. Nada me demovia disto. Quando foi necessário marcar uma nova audiência eu, em conjunto com a psicóloga e com os advogados, tive que trabalhar muito para mudar minha cabeça. De que não seria preso na audiência seguinte. De que nada aconteceria. Entretanto essa convicção foi destruída. Esmigalhada pela promotoria pública.

A minha quase prisão que culminou nessa tornozeleira foi um golpe duro na minha psique. Eu estou com medo de que enquanto ela se recupera minha cabeça esteja muito venerável a ter esses pensamentos ruins sobre se matar. Mesmo escrevendo sobre isto agora não consigo ter a mesma resposta do que antes. De dizer para mim mesmo de que se matar não é a resposta, que existem consequências para todos os atos e que eu deva arcar com as minhas. De pensar que existem pessoas que estão me apoiando, apesar de tudo, e que me matar vai ter um impacto enorme nelas. Nos meus pais. Nos meus amigos. Na minha família. Mesmo sabendo disto racionalmente, não sei mais se a lógica envolvida em me matar não é a mais correta. Ela parece ter várias falhas e inconsistências e desvantagens mas me parece ao mesmo tempo ser a melhor saída.

Eu segurei toda a carga emocional e psicológica dos meus pais quando a minha irmã morreu. Fiz isso por 2 anos. Fiz isso da pior maneira possível, reprimindo o que eu sentia dentro de mim e armazenando a tristeza e angústia deles também. Fiz isso até o ponto que eu me esgotei mentalmente e emocionalmente (falei sobre isso no post Medo). Quando achei que tinha feito algo para me recuperar (mudar de área dentro da minha empresa) descobri que a minha decisão foi péssima. Isto foi acumulando e acumulando dentro de mim e acho que devido a isto fiz o que eu fiz. Simplesmente ter machucado alguém inocente.

Após isto continuei anestesiado até o dia em que fui preso no começo deste ano. Desde então, passei por uma série de emoções como raiva, tristeza e etc. Raiva do mundo que no final descobri ser raiva de mim mesmo. Fui solto e procurei ajuda e comecei a melhorar minha cabeça. Consegui, finalmente, após mais de dois anos erguer minha cabeça. Comecei a perceber meus erros ao longo deste tempo todo e o impacto que isso me gerou. Comecei a melhorar a mim mesmo, melhorar a minha visão do mundo, meu controle sobre mim mesmo. Consegui até reverter esse meu medo aterrorizante e paralisante (novamente, ver post Medo) e transformar isto numa esperança de que nada daria errado. Talvez tenha transformado esta esperança numa expectativa irreal. De qualquer maneira, ter minha esperança destruída de maneira tão simples e efetiva me derrubou novamente. Todo o meu trabalho dos últimos meses parece ter ido por ralo abaixo. Não sinto mais vontade de continuar a me esforçar para nada. Para ir a academia, para continuar o regime, o tratamento. Sinto vontade de para com tudo. Para de viver. Terminar a minha própria vida. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

E o mundo continua girando...

Oi,

Estou aqui ainda! Coisa para se comemorar mas foi por pouco que retorno para a cadeia na própria audiência de instrução. Felizmente as coisas correram quase que inteiramente dentro do planejado. Me declarei culpado assim como estava planejado. De uma maneira geral esperava um interrogatório mais pesado por parte da promotoria mas quem fez a maioria das perguntas pesadas foi o próprio juiz.

Ao final da audiência, quando todos estavam se preparando para ir embora (o juiz já estava na porta com metade do corpo para fora) a promotora pública declarou que gostaria de solicitar a minha prisão preventiva novamente. Que no meu depoimento eu declarei que sou um risco à sociedade em decorrência da minha doença e de que eu deveria ser trancafiado. Neste momento eu quase desmaiei. Até o juiz voltou para a sala de audiência com uma cara de "O que?"... Ele então pediu que ela fizesse o requerimento e anexasse ao processo que ele iria considerar após receber a defesa por escrita dos meus advogados. A promotora se recusou e disse que gostaria de fazer a defesa oralmente de maneira que, caso o pedido dela fosse acatado, eu fosse preso imediatamente.

Felizmente meus advogados, após argumentar que uma pessoa não pode ser presa simplesmente devido à probabilidade de ela cometer um crime, conseguiram evitar a minha prisão. Entretanto o juiz decretou que eu utilize uma tornozeleira eletrônica por 90 dias. Não posso sair de casa após das 23h da noite e nem antes das 06h da manhã durante a semana. Nos finais de semana não posso sair de casa de maneira nenhuma.

Enquanto isto era decidido pelo juiz, e os dois lados argumentavam um contra o outro, eu simplesmente fiquei com a cabeça baixa, ambas as mãos em cima da mesa, e tremia descontroladamente. Não consigo me lembrar da maior parte do que foi dito na sessão. Realmente achei que iria novamente retornar para a cadeia e que haveria uma nova rodada de pedido de habeas corpus que poderiam demorar novamente 2 meses para serem julgados. Acho interessante quando vejo na televisão alguns presos conseguindo habeas corpus dentro de uma semana após serem presos. Isso me demonstra claramente que quando se tem dinheiro e influência se consegue tudo neste país.

De início fiquei extremamente aliviado por não ter sido preso. Após isto fiquei muito incomodado por ter que utilizar esta tornozeleira e ter que seguir uma série de regras para garantir que eu não vá novamente para a prisão (não arrebentar o lacre, manter sempre carregado a bateria, cuidar dos horários). Entretanto, após pensar sobre tudo isso, vi que existem algumas vantagens até para a minha segurança. Fiquei imaginando se acontecesse algo com a vítima, ou com a família dela, e que isto resultasse em um outro processo no meu nome. Digo isto porque eu seria uma pessoa com um motivo, vingança ou retaliação, muito forte e obviamente seria considerado um suspeito. Com esta tornozeleira se isto acontecer posso provar cabalmente que não estava nem perto do local do acontecido.

Outra coisa que a minha psicóloga falou hoje é que caso aconteça um crime parecido com o que eu cometi, posso usar esta mesma defesa para demonstrar que não tive nada a ver com o acontecido. De uma maneira geral a tornozeleira traz uma certa segurança para mim. Não somente para mim mas para outras pessoas que poderiam, hipoteticamente, serem potenciais vitimas. Caso eu, hipoteticamente, reincida no crime eu seria facilmente identificado e dai sim preso justamente poupado outras pessoas de serem vitimas.

Concordo 100% com a psicóloga, mas ainda disse a ela que me sentia incomodado de usar a tornozeleira mas não pela tornozeleira em si. Ficava incomodado porque percebo que houve uma má fé por parte da promotora em querer me enviar para a prisão. Entendo o argumento dela de que com a minha doença existe um risco inerente, mas isto não justifica uma prisão. Se ela tivesse pedido a tornozeleira ou uma prisão domiciliar eu ficaria tranquilo. Ter pedido a prisão com a justificava que pessoas como eu devem ser removidas da sociedade é um argumento crasso e estúpido. Se este fosse o caso então deveria eu abandonar o meu tratamento? Já que segundo ela minha condição é incurável e de alto risco para a sociedade de maneira geral? Deveria eu então ser preso para o resto da minha vida, coisa que a constituição não prevê? E quando acabar minha pena e eu ser solto na sociedade novamente? Como ficará dai?

Vejam, entendo que existe um risco inerente a minha doença que me faça a ter um impulso de difícil controle e que me leve a fazer algo ruim. Por isto mesmo que eu acredito que no meu caso eu devo continuar tendo acesos ao tratamento psiquiátrico e psicológico continuo, mesmo na cadeia. Interromper este tratamento é um risco potencialmente maior que me deixar solto. Repito, a tornozeleira neste caso é uma segurança mútua para ambos os lados e não me incomodo de usar ela.

O que me incomoda é alguém que, em tese, deveria ter vivência e experiência convivendo com atos iguais ao que eu cometi demonstrar uma ignorância absurda em relação à minha condição. Buscar a saída mais simples sem analisar o contexto é digno de alguém que não tem a mínima capacidade de consideração.

Entretanto, por mais que eu fique indignado com isto tudo o passado é o passado e a única coisa que podemos fazer é viver o presente e mudar o futuro, desde que isto seja nossa objetivo. O meu objetivo é mudar meu futuro, da melhor maneira possível. Se isto significa acompanhamento psicológico e tratamento com médicos receitados pelo psiquiatra então que assim seja.

Se eu estiver disposto a mudar e me esforçar para isto de maneira que eu consiga identificar os padrões que me levem a cometer o mesmo erro e evitá-los então eu terei realmente atingido o meu maior objetivo. Este é o meu sonho.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Normandia

Chegou o dia 27/10. Eu iria dizer que é o dia mais temido do ano mas o dia 30/06, a data da primeira audiência, também me pareceu assim. Estou calmo hoje, não sei se de verdade ou de uma maneira simulada. Talvez choque e o meu cérebro se recuse a acreditar que estou morrendo de medo. Ao mesmo tempo minhas mãos tremem sem que eu consiga entender o porque ou controlar. Com certeza é a ansiedade mas repito, novamente, que aparentemente estou calmo.

Talvez este seja o último post por algum tempo. Não acredito que irei regressar a prisão hoje mas tudo é possível. Neste caso, se por ventura eu não volte da audiência, eu gostaria de agradecer a todos que têm lido este blog. Ainda não consegui entender porque existem pessoas dos Estados Unidos e da Rússia lendo este negócio (pelo menos, é o que as estatísticas de acesso me dizem) mas de qualquer maneira são leitores bem vindos. Imagino que a essa altura do campeonato já seja possível ter uma idéia do que aconteceu comigo e o que eu cometi. Espero que também tenha ficado claro os meus sentimentos em relação a mim mesmo e a situação como um todo.

De uma certa maneira, este blog se tornou uma vitrine dos meus pensamentos para um público desconhecido. Me sinto extremamente fragilizado de estar expondo estes pensamentos para pessoas que nunca conheci e que podem estar me julgando das mais diversas maneiras. Ao mesmo tempo essa capacidade de ser totalmente honesto e aberto, transparente inclusive, com pessoas que não conheço é uma sensação aterrorizante mas emocionante ao mesmo tempo. Para alguém que não se abria com ninguém fazer isto, mesmo que seja através de um texto, para pessoas desconhecidas é bizarro.

Deve retornar da Batalha da Normandia hoje e irei atualizar este post, muito provavelmente amanhã. Caso volte para casa hoje não irei fazer nada a não ser passar o dia com meus pais.

Vamos em frente, ter força!

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

domingo, 25 de outubro de 2015

Bliss Redux

Oi,

Pelo nome do post já dá para entender que é novamente sobre algo inesperado mas que foi legal. Eu falei no último post, que tinha o nome de Bliss, sobre como foi legal dar uma saída na sexta-feira e ir para um barzinho com algumas amigas. Foi algo totalmente inesperado e acho que por isso a sensação de que foi tão bacana é tão forte.

Ontem, no sábado, aconteceu algo bem parecido! Um amigo meu, que inclusive vai testemunhar a meu favor no dia 27, me mandou uma mensagem me convidando para ir comer uma pizza com ele e a esposa dele. Somos amigos já faz algum tempo, mais de 10 anos, e sempre me dei bem tanto com ele quanto a esposa dele. Ele já havia vindo aqui em casa duas vezes desde que eu saí da cadeia mas a esposa dela ainda não tinha encontrado. Já havia falado com ela via telefone algumas vezes e sabia que ela estava tranquila em relação a mim. Com isso quero dizer que não estava me rejeitando ou surtando em relação ao que eu fiz. Claro que isso não quer dizer que ela concorda com nada do que eu fiz, mas ela entende o meu contexto e me apoia bastante para ir na psicóloga e no psiquiatra. Logo, ver ela pela primeira vez em alguns meses foi bem legal.

Se divertimos bastante, que nem antigamente (antes de ter todos estes problemas). Tomamos um vinho, comemos pizza e ficamos batendo papo sobre um monte de coisas, desde filmes até livros e etc. Claro, falamos também sobre a minha situação porque ela é advogada (especializada em trabalhista) mas de uma maneira bem legal. Gosto muito de ambos e respeito eles também. São pessoas bem legais e sérias, que ponderam bastante as coisas então sempre gostei de ouvir as opiniões deles sobre tudo. Agora, com a minha situação em um caos total, prezo bastante a opinião deles sobre como as coisas estão, em como eles veêm meu futuro, o julgamento e etc. No geral, posso dizer que foi uma experiência muito agradável. Chegamos lá por volta das 20h30m e saímos era quase 1h da manhã! Pizzaria que fomos é bem legal também, nunca havia ido lá e além de a comida ser muito gostosa o atendimento é 10! Em resumo, uma noite muito bacana mesmo!

Para quem estava a alguns dias tendo crises fortes de ansiedade e pavor, ver post Medo, ter logo em seguida ter tido dias tão legais é desconcertantes. Digo isto porque nunca imaginaria que eu teria a chance de sair dois dias seguidos sendo convidados por pessoas que eu gosto de uma maneira totalmente aleatória. Claro, imagino que estes meus amigos aproveitaram a chance de que iam sair e lembraram de mim (e sabendo de como eu devo estar me sentindo nessa semana que antecede o dia 27) e resolveram me convidar. Essas surpresas, por serem algo que eu realmente não esperava, me fizeram tão bem quanto a experiência de sair nos dois dias me fizeram.

Estava realmente me sentindo mal nessa semana e ter tido a chance, do nada, de espairecer e dar risada com algumas pessoas que eu adoro é incrível. Acho que estava me sentindo um pouco abandonado pelo mundo em geral (eu e as minhas piras de rejeição). Ter tido essas duas surpresas concomitantes foi além do que eu poderia imaginar de algo bom acontecendo comigo.  Me acalmaram a mente e principalmente me ajudaram a diminuir um pouco a ansiedade. Ela ainda está aqui, ainda sinto vontade de subir pelas paredes e arrancar os cabelos, mas sei que existem pessoas que se importam comigo e que estão por ai quando eu precisar.

Isto é algo que eu deveria saber já. Sim, várias pessoas sumiram da minha vida mas estas poucas boas pessoas ficaram. Não deveria duvidar de que elas estão me apoiando de verdade ou de que elas se importam mesmo comigo. Minha cabeça no entanto me faz ter algumas piras sobre como todo o mundo me abandonou e que eu estou sozinho para enfrentar tudo que está vindo. Acho que isso é muito derivado do fato de que eu me isolei de todos (minha família, meus amigos) por anos a fio guardando um segredo dentro de mim o qual não poderia contar para ninguém. Nunca pude confiar 100% em alguém, não por achar que essa pessoa era indigna de confiança mas porque eu acreditava que nunca poderia revelar esse segredo para ninguém.

É baseado nessa crença que eu me impedia de ir buscar ajuda profissional num psicólogo ou psiquiatra. Simplesmente não me sentia a vontade de relatar a ninguém o que eu sentia e pensava. Muito mais que isso não me sentia a vontade de relatar o que eu era (e sou ainda) e como isso afetou quem eu sou. Se eu tivesse tido a maturidade para ter dado esse passo antes talvez minha vida não estaria do jeito que está hoje. Possivelmente eu não teria ido para a prisão e não estaria no meu caminho de ir para lá novamente. Este é um dos maiores pontos positivos da minha prisão este ano, acredito eu.

Não precisei contar para ninguém meu segredo, ele foi escancarado a força para todo o mundo ver. Meu maior medo, que era ser descoberto pelo o que eu sou, foi concretizado. Da noite para o dia minha vida inteira caiu em pedaços. Perdi meu emprego, vários amigos e algumas pessoas da minha família. No entanto, isso resultou em várias coisas boas também. Pude ser honesto com as pessoas que eu amo e recebi apoio delas de volta. Pude procurar ajuda de uma maneira consciente. Tem dias que eu acho que não quero mais ir para a terapia porque descubro cada vez mais que eu não me conheço. Descubro coisas que não acho boas em relação a mim mesmo. Acho que não vou ter a força de vontade de mudar essas coisas ruins. Entretanto, persisto em continuar indo lá na terapia. Principalmente porque consigo perceber várias situações, algumas delas relatadas aqui em posts antigos, onde tive uma reação muito melhor do que teria antes de ser preso. Ver que todo esse esforço dá resultado me anima muito. Me da ânimo para continuar tentando e me esforçando.

Em resumo, o que eu mais percebo desta minha experiência toda deste ano é:

Existem lições que devem ser aprendidas do jeito difícil.

Como eu disse anteriormente eu poderia ter evitado muito dos meus problemas deste ano. Se eu tivesse sido um pouco mais aberto com os outros, um pouco mais maduro talvez eu não precisasse ter perdido tudo o que eu perdi. Talvez eu não precisasse perder alguns anos da minha vida na cadeia. A realidade, no entanto, é esta. Posso lamentar todas as chances que eu tive e não aproveitei e elas não irão voltar. No entanto, eu posso, e acredito que devo, aproveitar todas as chances que eu tenho na minha frente agora. Tentar fazer o melhor delas. Existe uma expressão no Japão, Ganbare!

 

Ela quer dizer, Se Esforçe! ou Força! ou Dê o melhor de si!  Basicamente, isto quer dizer que no final do dia os resultados que você vai ter em tudo dependem de você. Do seu esforço, da sua garra. Isso para mim tem tido um significado profundo. Somente irei melhorar se eu quiser melhorar. Somente irei me tornar uma pessoa melhor se eu quiser ser melhor. Depende do meu esforço e, claro, como diriam os Beatles: "With a little help from my friends!" .  A ajuda dos amigos tem acontecido e muito esses últimos dias!!!! 

sábado, 24 de outubro de 2015

Bliss

Oi,

Espero que todos estejam bem.

Ontem fiz algo inédito para mim nestes últimos meses. Sai com alguns amigos (sim, ainda sobraram alguns felizmente) e fomos em um barzinho. Não havia saído de casa para fazer algo assim desde que entrei em liberdade provisória. Simplesmente não me sentia a vontade de sair e de repente dar de cara com alguém que conhecia e que me odeia agora. Não sabia como seria a reação desta pessoa. Poderia passar simplesmente de fazer cara feia a fazer algum escândalo. Logo, mais pelo não que pelo sim, simplesmente não saia de casa.

Não tinha segurança nenhuma, minha auto estima estava bem baixa, e caso acontecesse algo assim não sabia como eu reagiria a tudo. Ás vezes tinha a impressão de que eu ficaria puto caso a pessoa falasse algo e temia que eu acabasse envolvido em alguma briga. Ás vezes tinha a impressão de que se a pessoa falasse algo eu simplesmente começaria a chorar histericamente e desabaria.

Entretanto, de uma maneira geral, todas as essas questões de auto estima tem ficado melhores (conforme eu já havia comentado anteriormente) e me sinto melhor em relação a mim mesmo. Claro, ainda percebo que minha auto confiança e auto estima estão baixos mas pelo menos consigo reconhecer isto agora. Este simples fato, de conseguir me analisar e reconhecer isto, aliado com o fato de que tenho tentando "me resolver" (no sentido, conversar mais comigo mesmo, refletir mais sobre mim mesmo) tem me ajudado e navegar melhor por estas incertezas. Ainda não é perfeito esse gerenciamento mas é muito melhor do que ele era antigamente.

Então me senti confiante de ir no barzinho com essas minhas amigas para espairecer a cabeça um pouco. Com a audiência chegando agora no dia 27 eu senti que eu precisava fazer algo para aliviar a tensão um pouco. Logo, tomar umas cervejas e bater um pouco de papo sobre qualquer besteira me pareceu uma ótima solução. O encontro foi bem legal, cheguei lá em torno das 18h30m e fiquei até 23h30m. Nunca fui muito de sair para ir em algum bar, sempre preferi fazer algo em casa mesmo. Logo, nunca fui de ficar muito tempo no bar mas só essas poucas horas que eu fiquei já me levantaram o ânimo de uma maneira impressionante.  Fiquei muito feliz de poder ter feito algo normal.

Entretanto, percebi após pensar um pouco que um dos maiores motivadores para ter ido ao bar foi a questão da audiência do dia 27. Apesar de ter uma mísera chance de 1 ou 2% de ir preso novamente nesta audiência é somente nisso que eu consigo pensar ás vezes. Tenho conseguido gerenciar melhor essa ansiedade e expectativas descomunais em relação a um risco tão pequeno mas nem sempre consigo fazer um controle adequado. Logo, essa ida ao bar me pareceu uma certa despedida aos meus amigos. Uma última chance de ver eles antes de ser preso por vários anos.

Percebi isso porque eu havia tentando marcar um churrasco com um outro grupo de amigos para este sábado que infelizmente não rolou. Quando eles me avisaram, via e-mail, que não ia rolar, porque tinham outros compromissos, eu respondi dizendo que entendia e que poderíamos marcar para o próximo final de semana; internamente, entretanto, eu fiquei bem mal e triste e principalmente angustiado. Esses meus amigos vão depor a meu favor, como testemunhas de carácter, na terça feira agora e somente vou vê-los nesse dia. Senti que essa minha angústia era devido a achar que a última vez que eu veria eles seria na audiência a medida que eu fosse algemado e colocado numa viatura para ser despachado para algum presídio. Bizarro, eu sei, mas era como eu me sentia.

Uma surpresa inesperada nessa ida ao bar foi que uma pessoa que eu conhecia anteriormente, mas não chamava de amigo e sim de colega de trabalho, apareceu junto. Esse cara havia me mandado umas mensagens após eu ter sido solto e elas fizeram um bem enorme para mim. Ele me falou que não queria saber o que havia acontecido e nem se era verdade ou não. Ele estava interessado em saber como eu estava, se eu precisava de ajuda ou de alguém para conversar que era para contar com ele. Que ele estava com a cabeça aberta, não queria fazer julgamento de ninguém mas que gostava muito de mim e por isso achava que eu merecia pelo menos uma chance. Nunca iria esperar isso de alguém como ele. Nós sempre se demos bem no trabalho, inclusive até em alguns churrasco da empresa e etc, mas como eu disse acho que nunca poderia ter chamado ele de amigo. Entretanto, aqui estava ele, alguém que mal me conhecia me dando um apoio fundamental para que eu soubesse que não estava sozinho, que existiam pessoas que queriam me ajudar.

Teve pessoas que eu considerava mais que amigos, que eu considerava como se fossem irmãos, que me abandonaram. Algumas destas pessoas que inclusive mandaram avisar, via amigos em comum que eu ainda tenho, que eu estava morto para eles. Destas pessoas eu esperava apoio e não tive. Acho que isto, mais até dos problemas que estou tendo com meu irmão de verdade,  foi um dos principais fatores que me quebrou ao meio. Minha auto confiança e minha auto estima, após ser rejeitado por estas pessoas, que eu considerava tanto, simplesmente estilhaçaram. Pensava que eu deveria realmente ser um monstro, um merda, para que até pessoas que eu conhecia a mais de 10 anos, pessoas que eu chamava de irmão e não de maneira leviana, estarem me abandonado. No entanto, aqui estava um exemplo de um cara que eu nem considerava meu amigo me dando uma super força, um apoio que foi fundamental. São nestas surpresas agradáveis que eu tento me focar e não nas desagradáveis. Pena que nem sempre isso é fácil de fazer.

Mais felizmente esse cara foi ontem no bar e pudemos trocar algumas palavras rápidas. Percebi que ele, assim como já havia dito anteriormente, não queria saber dos detalhes do que havia acontecido e nem nada do tipo. Percebi que ele estava realmente interessado em saber como eu tava, se estava procurando ajuda, se estava tomando remédios, se eu estava bem de verdade. Falou novamente que qualquer coisa era para eu dar um toque nele, no que ele pudesse ajudar ele tentaria. Se fosse bater um papo, tomar uma cerveja ou o que fosse. Cara, realmente existem pessoas boas no mundo. Estes meus poucos amigos que restaram mais essas surpresas que eu tenho de algumas pessoas me deixam muito feliz. Não consigo expressar em palavras como é poder escutar isso de uma pessoa. Saber que a pessoa genuinamente está interessado no teu bem estar, que ela não concorda com o que você fez mas entende que todos somos passíveis de erros e que temos que tentar sempre lidar com as consequências dos erros da melhor maneira possível. Novamente, cara, isso é fantástico!


PS:


O título deste post ia ser Incerteza. Incerteza porque quando eu comecei a escrever ia ser sobre que apesar de ter saído na sexta-feira e ter ficado melhor de ânimo hoje eu estava novamente angustiado e incerto sobre o meu futuro. Ia falar novamente que eu estava pirando e me sentindo triste e ansioso e uma série de outras coisas. Novamente, ao começar a escrever o post e escolhendo falar da parte boa (que foi ter saído) e me foquei mais nessa parte do que na parte ruim. Ter relembrado sobre ontem à noite e sobre essa pessoa que eu encontrei me fizeram, temporariamente, esquecer das coisas ruins que eu estava sentindo.

Após escrever o post inteiro acima, parei e reli ele algumas vezes. Tenho mania de fazer isso com todos os posts porque tento imaginar como uma pessoa estranha deve se sentir e pensar ao ler tudo isso que eu estou escrevendo. A medida que eu fui lendo e relendo eu percebi que eu estava muito feliz em poder contar tudo isso que eu contei. Muito feliz por ter passado por essa experiência. Sim, ainda estava me sentindo triste, angustiado, inseguro, incerto sobre o futuro. Entretanto, a felicidade e alegria que eu sinto é muito maior. Então, ao invés de focar na parte ruim eu vou focar na parte boa do que eu estou sentindo.

Entretanto, isso não significa que eu vou fingir que a parte ruim não está lá. Não vou enterrar esses meus sentimentos que nem eu sempre fiz ao longo da minha vida. Tenho que reconhecer que eles estão aqui dentro de mim e que eu preciso lidar com eles. Por isso que eu escrevi esse PS, meio longo, para dizer que além da alegria que eu estou sentindo também tem sentimentos ruins. Eles estão aqui e estão sendo gerenciados por mim. A existência deles dentro da minha cabeça me obrigam a honrá-los tanto quanto os sentimentos bons.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Medo

Hoje foi e tem sido um dia difícil....

Fui para a academia mas não sentia vontade de fazer nada, muito além da mera preguiça que me acomete só de pensar em ir fazer exercícios. Pela manhã toda eu sentia um senso de querer fazer nada, de me esconder de tudo e todos. Achar um buraco no chão e me deitar lá (vejam, nada a ver com cometer suicídio em si, somente a vontade de desaparecer) e deixar que o mundo continuasse o seu caminho enquanto eu ficava para trás...

Já senti isso antes, quando minha irmã faleceu. Chegou em um ponto de tristeza tão grande e de stress tão grande de cuidar dos meus pais (que obviamente estavam muito abalados) em que o meu cérebro simplesmente desligou as minhas emoções. Eu me senti anestesiado, indiferente a tudo que estava acontecendo á minha volta e comigo. Não sentia vontade de me matar nesse período, apesar de ter pensado nisso antes de acontecer essa anestesia geral, mas também não sentia vontade de continuar a viver. Assim como hoje pela manhã, sentia vontade de simplesmente deixar o mundo seguir o seu caminho enquanto eu ficava para trás. Eu pensava que seria ótima achar um lugar remoto e isolado, onde eu não precisasse interagir com ninguém ou com nada. Um lugar onde eu pudesse simplesmente sentar e ficar quieto.

Esse mesmo sentimento me invadiu hoje de manhã e por mais cômico que pareça foi um estranho completo que acabou me tirando desse estado. Estava fazendo exercício ao lado dele, no elíptico, e ele começou a puxar papo comigo. Sou uma pessoa bem introvertida e nunca faria isso por iniciativa própria então acho muito estranho quando vejo alguém tomando essa atitude. Esse sentimento de estranheza é ainda maior quando eu sou o foco dessa expansão extrovertida de alguém.

Acabamos batendo papo sobre perder peso (ele também está na luta para emagrecer) e como todo gordo existem certas histórias que somente tem graça se você é (ou já foi) gordo. Ficamos batendo papo por uns 15 minutos e essa conversa, totalmente aleatória, acabou melhorando meu espírito. Demos risada sobre diversas situações em que você tende a se meter quando é obeso e sobre vários outros assuntos relacionados.

Dai imagino que vocês pensem...se ele está melhor porque o título do post é Medo?

Bem, o título é medo porque eu ia começar contando sobre como eu estava me sentindo ao logar no blogger para escrever. Entretanto, me veio na cabeça essa história sobre hoje de manhã e não consegui me conter de não compartilhar ela. Engraçado, estava pensando agora.... sou uma pessoa introvertida por natureza, conforme mencionei anteriormente, mas aqui estou eu escrevendo sobre como eu me sinto para pessoas que nunca vi na vida. Inclusive, vi agora a pouco que houveram acesso deste blog da Rússia. Vai entender o que um Russo/a estava procurando para cair aqui....

A medida que fui contando a história sobre hoje de manhã fui me acalmando. Com isso meu medo foi diminuindo até que, apesar de continuar sentindo esse medo e ansiedade agora, o sentimento chegou em um nível controlável.  A pouco mais de 15 minutos atrás comecei a sentir um medo e ansiedade de uma maneira que eu não sentia a muito tempo. Meu coração começou a bater mais rápido e minha respiração começou a ficar mais trabalhosa e rápida. Senti minha cabeça cada vez mais leve e comecei a sentir náuseas, como se fosse passar mal. Tinha uma sensação de querer fugir de onde estava (meu quarto), de simplesmente abrir a porta da rua da minha casa e sair correndo. Não sabia para onde eu tinha que ir e nem o porque, mas eu queria sair de onde eu estava de uma maneira desesperada. Um sentimento de que algo ruim estava para acontecer iminentemente e que eu não sobreviveria se não fugisse imediatamente.

Por mais engraçado que seja, quando eu senti isso e loguei para postar sobre isso essas sensações ficaram mais fortes ou talvez mais urgentes. Entretanto, quando eu fui escrever, quando eu achei que o meu coração ia pular para fora do meu peito ou que eu iria enfartar, eu lembrei dessa pessoa de hoje de manhã e comecei a dar risada. Dar risada da situação (do introvertido sendo obrigado a ser levemente extrovertido forçadamente) como um todo e como ela me fez bem.  Essa lembrança, e algumas risadas por lembrar disso, me fizeram ficar mais calmo até que posso dizer que agora estou novamente tranquilo. Tranquilo daquele jeito né? Nervoso? Sim! Ansioso? Sim! Com medo? Sim! Gerenciáveis? Também sim!

Estava lembrando aqui também, a única outra vez em que eu senti esses sintomas, e não com esse sentimento de querer fugir, foi quando eu fui transferido para a segunda prisão que eu fiquei. Quando eu cheguei lá um dos agentes me perguntou sobre o que eu tinha feito e eu, idiota e ingênuo, respondi. Ele começou a me xingar imediatamente e começou a me dar ombradas. Assim que eu sai do local onde era feito o cadastro e fui para onde eu iria receber as roupas (laranjas, bem estilo seleção holandesa) ele contou para todos os outros agentes e alguns dos outros presos que estavam por perto no pátio (separados de onde eu estava por uma grade).

Todos essas pessoas começaram a me xingar, me ameaçar de morte e várias outras coisas. As que tinham acesso a mim toda hora vinham me agredir fisicamente de alguma forma (seja via ombradas, joelhadas nas pernas e alguns tapas). Fiquei mais de 40 minutos de pé, olhando para essa grade que me separava de alguns dos presos, enquanto eles ficavam do outro lado chutando a grade e me xingando. Fiquei esses 40 minutos algemadas, sem poder me mexer porque caso eu tentasse mudar o meu pé de apoio, algum agente vinha e me agredia. Esses mesmos 40 minutos debaixo de um sol forte, sem poder levantar as mãos até o meu rosto para me proteger. Este mesmo tempo sendo agredido verbalmente, sofrendo uma pressão psicológica intensa.

Neste momento sentia os mesmos sintomas físicos que eu descrevi mais acima. Interessante, entretanto, que não sentia a vontade de fugir. Talvez porque soubesse que isso não era possível por mais que eu quisesse. Afinal, teria que de algum modo passar por mais de 10 agentes, pular um portão enorme, fugir dos cachorros de guarda (que são enormes), não levar nenhum tiro dos guardas nas torres de vigia para só então chegar no estacionamento do presídio. Dali, teria que andar uns 4 kilômetros via estrada de chão para chegar a uma rodovia de onde poderia voltar para a cidade. Tudo isso algemado e pesando mais de 160 kg. Totalmente inviável.

Estes sentimentos entretanto somente pararam quando eles finalmente me levaram para a cela onde eu iria ficar. Para fazer isso era necessário passar por um corredor onde ficava a enfermaria. Após este corredor havia um portão fechado e o conjunto de celas onde eu iria ficar era após este portão. Neste corredor haviam vários presos que estavam aguardando atendimento médico. Todos eles haviam visto o que tinha acontecido comigo e ouvido qual era meu crime. Até então, eles se limitavam a gritar xingamentos de longe, já que este corredor ficava em torno de 40 metros longe. A chance deles de fazer algo a mais somente se apresentou nessa hora.

Vejam, existe uma norma de que os agentes penitenciários são responsáveis pela integridade física do preso e devem zelar por ela. Isso significaria impedir que alguma pessoa me agredisse. No mínimo irônico, sendo que eles mesmo estavam me agredindo verbalmente continuamente. Entretanto, o ponto máximo da história foi que, ao chegar neste corredor, os agentes me falaram que a minha cela estava além do portão ao final do corredor. Eles, no entanto, não estavam com a chave do portão. Logo, eu teria que atravessar sozinho o corredor, cheio de outros presos me xingando e ameaçando de morte, enquanto eles voltariam até a estação deles para buscar a chave.

Nesse momento, eu falei que não iria atravessar sozinho, que iria esperar eles voltarem. Tinha certeza absoluta que se eu tentasse atravessar sozinho aquele corredor os outros presos iriam me agredir e que não iriam parar até que eu estivesse morto. Os agentes simplesmente me falaram que eu não tinha escolha alguma, que caso eu não atravesse eles iriam me levar até o pátio (onde eu estava parado na frente, com cerca de 100 presos do outro lado da grade) e deixar que eles tirassem satisfação comigo.

Minha cabeça, neste momento, decidiu duas coisas. A primeira que era melhor arriscar 10 a 12 presos batendo em mim do que 100. Mais importante, tive a certeza absoluta de que eu iria morrer. Neste momento senti uma anestesia parecida com a que eu senti de manhã mas, ao contrária daquela que, para mim, é relacionada a depressão, esta anestesia que senti ao cruzar o corredor foi de desistência.

Eu desisti da minha vida naquele momento. Eu tinha certeza da minha morte. Eu simplesmente desliguei minha cabeça de alguma forma. Não sentia mais medo, nem ansiedade. Meu coração batia calmamente. Minha respiração era constante. Eu andei aqueles 20 metros de corredor totalmente calmo. Sabia que não iria chegar do outro lado, não vivo pelo menos. Esse era o fim. Não sei se alguém já esteve numa situação onde se teve a plena certeza de que você iria morrer. O momento que você tem a certeza em si é de uma serenidade incrível. Pelo menos para mim foi. O problema é o momento anterior e o momento posterior.

O anterior eu já expliquei, mas agora vem o posterior. Ao chegar ao fim do corredor, vivo obviamente, eu olhei para trás e vi os agentes dando risada. Logo em seguida eles vieram andando e chegaram até o portão. Eu não havia reparado, mas havia um outro agente do outro lado da grade (em um outro corredor) e ele era o cara que tinha a chave. Nenhum dos agentes que fica em contato direto com o preso tem o molho de chaves de nada importante (como das celas ou portão), porque pode ser que o preso consiga roubar essa chave. Um outro agente, que fica fora de contato com os presos, anda ao lado, mas separado por uma grade, e então entrega a chave para abrir o portão e posteriormente a cela. Esse agente que fica com a chave, fica nesse corredor marcado pelo quadrado vermelho:

 

Esse lugar era onde eu estava, o portão que separava essa ala de celas fica logo antes dessa cela. Esta foto foi quando isto foi inaugurado acredito eu. O lugar agora está bem mais sujo e existe um outro portão cerca de 6 celas para baixo nessa "rua".

Outro detalhe que eu não havia percebido. Todos os presos que estavam no corredor estavam algemados por uma mão em um corrimão preso na parede. Não existia como eles me alcançarem, desde que eu andasse o mais perto possível da grade do lado direito. Logo, eu não estava, em nenhum momento, sob nenhum risco de ser espancado e muito menos de morrer. Claro que estes detalhes eu somente percebi depois de tudo o que eu relatei para vocês. Imaginem então alguém que simplesmente desistiu de sua vida perceber que a mesma não estava em perigo.

Eu sentia ódio dos agentes por terem feito isso comigo, queria enfiar a mão na cara deles mesmo que eu fosse jogado na solitária. Eu sentia vontade de desabar e começar a chorar porque a pressão psicológica estava muito grande. Eu tenho a impressão que eu quase surtei definitivamente neste período. Acho que essa foi a grande chance na minha vida de finalmente perder a cabeça e ficar louco para sempre. Me pergunto ás vezes se não deixei essa oportunidade passar...