quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Aniversário

Oi,

Conforme eu havia mencionado no post anterior eu estive um pouco deprimido neste último dia 7 de Dezembro. Nesta data foi o primeiro "aniversário" do dia em que eu cometi o meu crime. A síndrome do "aniversário" é algo que tem sido reconhecido, sob diferentes formas, por médicos e psicólogos no mundo todo. Todos passamos por eventos traumáticos em nossas vidas e temos a tendência de ligar o dia em que este evento ocorreu com nossos sentimentos de maneira que quando a mesma data acontece no próximo ano sentimos de volta as mesmas coisas.

Isto acontece, por exemplo, com o aniversário de morte de uma determinada pessoa que faleceu. Com o dia em que você recebeu uma notícia terrível. Por exemplo, provavelmente acontecerá com o pessoal de Mariana, e das cidades em volta, que irão se lembrar dessa tragédia para o resto das suas vidas, mas provavelmente se sentirão piores nos aniversários da tragédia. Nós, como seres humanos, temos a tendência de darmos mais atenção para eventos ruins do que para eventos bons. Temos a tendência de lembrarmos das coisas ruins e esquecer das coisas boas. Claro, todos nos lembramos do dia em que algo ruim aconteceu a anos atrás, mas não nos lembramos das inúmeras coisas boas que nos acontecem todo dia. A pessoa que te dá uma brecha no trânsito para você mudar de pista, alguém que para o carro para você cruzar a rua, alguém que abre a porta para você quando suas mãos estão ocupadas e etc. Estas pequenas coisas boas se juntam, no final do dia, e te dão a sensação de que o dia foi bom. Entretanto, uma coisa ruim é o suficiente para estragar o dia de qualquer um, se deixarmos.

De qualquer maneira, a razão principal de ter ficado ruim no dia 7 foi porque eu não conseguia parar de pensar no que eu havia feito e na vítima. A medida em que eu tenho feito terapia minha mente tem se voltado mais e mais para mim mesmo e tentado fazer sentido de quem eu sou. Recentemente eu consegui aceitar quem eu era, que eu tinha várias doenças que em conjunto me fizeram fazer o que eu fiz; Não uso estas doenças como desculpa porque sei que, apesar de tudo isso, eu deveria ter me segurado e não ter feito o que eu fiz. Conforme eu relatei no post anterior encontrei um lugar online com outras pessoas com a mesma doença que a minha. Conversando com eles percebi como, de suas próprias maneiras, eles encontraram jeitos para impedir que eles cedessem as suas tentações e impulsos. Enquanto que eu não consegui fazer isso. Então eu sei que existem pessoas com o mesmo problema que conseguem se controlar, logo o que eu fiz não é desculpável por causa disso.

A terapia tem me ajudado principalmente neste aspecto. Eu tenho aprendido mais sobre mim mesmo e como eu funciono. Tenho tido que enfrentar verdades incômodas sobre mim neste processo. Entretanto também tenho tido a chance de aprender como eu sou e planejar como eu quero ser. Essa característica, de olhar para o futuro e almejar algo melhor, tem sido fundamental na terapia. Com todo esse trabalho psicológico que eu tenho feito tem ficado cada vez mais claro a enormidade do que eu fiz. Da gravidade do crime que eu cometi e pelo o qual eu tenho que pagar. E tudo isto retornou, com a força de uma avalanche, na minha cabeça no dia 7.

Essa avalanche de sentimentos e pensamentos não era boa. Todos os meus pensamentos, direcionados a mim mesmo, eram agressivos. Eu pensava que eu era um monstro, uma pessoa horrível. Talvez a pior pessoa a jamais ter pisado na superfície do planeta Terra. De que não deveria ser permitido que eu respirasse por mais um segundo. Que a única coisa lógica a ser feito era me matar. Que apesar de que isto fosse trazer um sofrimento a curto prazo para a minha família e amigos seria melhor a longo prazo.  Pensava como era possível que eu tivesse feito algo com a vitima mesmo vendo ela chorando. Mesmo quando eu percebi o exato momento em que ela entendeu o que iria acontecer com ela e soltou um lamento tão terrível e longo que me corta o coração só de lembrar.

Pouco a pouco, a medida que o tempo foi passando, eu fui me acalmando. Conversei com a minha mãe sobre como eu estava me sentindo mal e ela passou mais de 1 hora sentada ao meu lado na cama enquanto eu estava deitado e chorando. Minha mãe é partidária da máxima de "Se você não pensar sobre algo este algo não pode te afetar (ou talvez nem existir)". Não é a toa que eu aprendi a guardar os meus sentimentos ao invés de lidar com eles. Ela começou a falar comigo sobre uma série de assuntos banais (atualizações de Facebook de Fulano, A Fazenda, Masterchef) e é impressionante a habilidade que ela tem de fazer estes assuntos anêmicos virarem conversas longas. Quando eu percebi que ela estava animada e que iria continuar por um bom tempo eu comecei a dar risada. Uma risada que chegou a virar gargalhada e que então me fez doer a barriga. Ela me olhou como se eu estivesse louco e começou a dar risada também. Mães tem um jeito especial de fazer os filhos se sentirem bem.

Conforme o dia foi andando consegui começar a racionalizar os meus sentimentos. Não ignorei eles, aceitei que estivesse me sentindo mal mas comecei a gerenciar eles. Me permiti me sentir mal mas também comecei a me questionar sobre o que eu faria com o que eu estava sentindo. Novamente comecei a pensar na vítima e como eu admirava a força dela. De ter ido a polícia. Como ela estava lidando com as coisas. Novamente me senti um covarde em comparação mas firmei meu compromisso de me igualar a ela um dia. Nem que fosse à metade da coragem dela mas eu iria. Eu iria enfrentar a cadeia, fazer terapia e garantir que aquilo não voltasse a acontecer, tomar os remédios que eu tivesse que tomar. Também firmei minha resolução de melhorar quem eu sou. Me matar é a opção fácil, sem trabalho. Apesar disso, deixo claro que isto é algo que eu disse para mim mesmo, para me forçar a acreditar que existe um futuro e que eu devo trabalhar em direção a ele, não importa quão difícil isto seja.

 Me falaram à um tempo atrás que suicídio é um ato egoísta. Respondi que sim, é. O suicida acredita firmemente que sua situação é irreversível e incorrigível logo se matar é a única opção. Um suicida não pensa nos outros, somente em si porque sua angústia leve a pessoa a pensar somente em si. Esta é a razão pela qual depressão é tão difícil de combater. Ela exige que a pessoa pare de se focar um pouco em si mesmo, e na situação difícil que está vivendo, e comece a olhar ao seu redor e para o seu futuro. Isto é muito difícil quando você está em uma situação difícil. Lembram do começo do post? Que prestamos mais atenção no ruim que no bom? Então, é bem por aí. Por isso que é muito importante que quando uma pessoa se demonstra suicida (tendo pensamentos suicidas) que nunca se diga que isto é covardia ou besteira. Vejam, a pessoa tem a crença firme que provavelmente não vale muita coisa e que sua situação é difícil e sem resolução. Dizer que isto é um ato covarde ou besteira só reafirma a opinião ruim dessa pessoa sobre si mesma. Ao fazer isto, mesmo tendo-se a melhor intenção do mundo, é empurrar esta pessoa cada vez mais para o caminho de se matar.

De qualquer maneira, eu consegui me recuperar da depressão o suficiente para conseguir me segurar emocionalmente. Não é fácil isto. Também decidi usar essa memória, do sofrimento da minha vítima, como um lembrete para a próxima vez que eu me sentir tentado a fazer algo errado. Esta tentação não ocorreu novamente, pelo menos não no mesmo grau de intensidade. Nas vezes em que ocorreu eu consegui, utilizando as ferramentas que eu aprendi na terapia, me controlar. Inclusive, desde que eu me aceitei eu tenho percebido que isto se tornou mais fácil. Admitir para mim mesmo que eu tenho um problema e me aceitar me ajudaram a entender que o que eu sinto. Apesar de o que eu sentir não ser errado, desde que sejam somente fantasias, o que é errado é quando isto se transforma em ação. Logo, pensamentos ruins na cabeça todos temos. Xingar e pensar que você quer matar o babaca que te fechou no trânsito é uma coisa. Perseguir o carro do babaca e realmente matar ele é crime. A mesma analogia se aplica a minha doença. Sentir um atração é uma coisa. Tomar uma ação para satisfazer a atração não é. Esta lição foi difícil de aprender mas foi aprendida. Pena que necessitou eu ter machucado alguém, ter acabado com a minha e ir preso para aprendê-la.

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